O Flamengo inicia a disputa do Brasileiro empolgado com a conquista do tricampeonato estadual e a classificação às Quartas-de-Final da Copa do Brasil, após golear o Fortaleza (3-0) em pleno Castelão. Mas a Nação rubro-negra anda eufórica por outro motivo: a contratação do Imperador Adriano, que, deprimido, abandona a Internazionale e vem buscar refúgio em seu antigo lar.
O time teria que lidar com a ausência do capitão Fábio Luciano, que encerrava a carreira após a conquista do tri. No mais, a base do elenco era a mesma de 2008, comandada pelos experientes Bruno, Leonardo Moura, Juan, Ronaldo Angelim e Ibson, além do volante Kleberson. Como coadjuvantes, figuravam o jovem volante Aírton, que finalmente se firmava no time titular, e o versátil meia Everton, além dos contestados atacantes Obina e Josiel. Dentre os reforços utilizados no Estadual, o volante voluntarioso volante Willians, dotado de incrível capacidade de desarme, agradou em cheio, como também vinha causando impressão positiva o já rodado atacante Emerson, até então desconhecido, que fizera carreira no Oriente Médio. Por fim, o meia-atacante Zé Roberto ainda não convencia. Assim, o polêmico treinador Cuca dispunha de um elenco qualificado, mas que em função dos problemas internos do clube não era dos mais cotados ao título. Mesmo com o Imperador.
Os primeiros jogos mostram que Adriano (ainda ausente, recuperando a forma) será imprescindível. A equipe perde muitos gols e não consegue passar por Cruzeiro (0-2, no Mineirão) e Avaí (0-0, no Maracanã), mas àquela altura a concentração está voltada para os jogos contra o Internacional, pela Copa do Brasil, em que a equipe é eliminada de forma traumática.
De volta ao Brasileiro, o Flamengo vence o Santo André (2-1, fora de casa), em grande atuação de Ibson e Josiel (autor de dois gols, um deles de placa) e se prepara para o grande momento da estréia de Adriano, contra o Atlético-PR, no Maracanã. O estádio recebe um grande público e vibra com a boa atuação do Imperador, que marca um gol e participa de outro, na convincente vitória por 2-1. Tudo parece caminhar bem.
Mas logo as fissuras da relação entre Cuca e os jogadores viriam à tona. O treinador não consegue engolir as sucessivas ausências de Adriano aos treinos, mas não encontra respaldo da diretoria, o que o faz perder (mais) prestígio junto aos jogadores. As falhas individuais mostradas na derrota para o Internacional aumentam a tensão entre torcida, jogadores e treinador, e a impressão que se tem é que bastará uma fagulha para que a crise exploda. E isso acontece nos dois desastrosos jogos seguintes.
O time vai a Recife enfrenta o Sport (que ainda não venceu e está em crise). Abre rapidamente 2-0 (dois de Emerson) e parece controlar o jogo, mas de sofre, em apenas oito minutos, uma virada inacreditável, sofrendo quatro gols oriundos de falhas grotescas e sai de campo derrotado (2-4). Mas ainda viria o pior. Em Curitiba, o rubro-negro enfrenta uma equipe repleta de reservas e sofre uma goleada humilhante diante do Coritiba (0-5), num jogo onde pipocaram várias suspeitas de corpo-mole e boicote ao treinador, especialmente em função das várias falhas do goleiro Bruno.
Após retiro em Teresópolis, onde a grave crise parece debelada e Cuca é mantido, o Flamengo se recupera, ao golear o Internacional (4-0, três de Adriano, em primorosa atuação, e Emerson), vingando-se assim da derrota na Copa do Brasil. A seguir, o time consegue resultados razoáveis (0-0 com o Fluminense, 2-1 sobre o Vitória, no Engenhão, e 2-2 com o São Paulo, no Morumbi), e parece reencontrar seu caminho.
Mas o time começa a sofrer com desfalques e problemas. Ibson volta à Europa, após o término de seu empréstimo. Juan se contunde seriamente no joelho, e irá desfalcar a equipe por várias semanas. Aírton é suspenso por agressão. Kleberson é chamado para a seleção. Obina, sem prestígio, é emprestado ao Palmeiras. E ainda há Emerson, às voltas com uma irrecusável proposta do Oriente Médio. Com isso, a equipe volta a cair de rendimento, perde para o Palmeiras em casa (1-2), empata a duras penas com o Botafogo (2-2, com um gol de Emerson já nos minutos finais). A gota d’água é o empate com o Barueri (1-1) em pleno Maracanã, aos gritos de "Adeus, Cuca", que custa ao treinador o cargo. Enquanto a diretoria negocia o possível substituto, o auxiliar Andrade assume como interino.
O processo de escolha do substituto de Cuca faz emergir a divisão política do Flamengo. O diretor de futebol acerta as bases da contratação de Carlos Alberto Parreira, que é vetada pelo presidente em exercício. Com isso, a diretoria do futebol se demite, aumentando ainda mais a confusa situação interna do clube. A presidência e a diretoria já vinham se estranhando desde a polêmica contratação de Petkovic, que em baixa havia proposto renegociar a dívida em que era credor do Flamengo, em troca de um contrato, o que foi aceito pela presidência, apesar dos protestos da diretoria de futebol.
Tentando manter-se alheio à confusão, Andrade busca motivar os jogadores para o difícil duelo contra o Santos, na Vila Belmiro. E, mostrando grande determinação, os jogadores conseguem heróica vitória (2-1, de virada, gols de Adriano e Pará, contra), quebrando assim longo tabu. Após o jogo, Andrade chora copiosamente, ao se lembrar do goleiro Zé Carlos, falecido poucos dias antes, o que emociona a todos. No jogo seguinte, o Flamengo faz grande partida no Maracanã e vence de virada o líder Atlético-MG (3-1), aos gritos de "Fica, Andrade". Com a atuação, a nova diretoria decide manter Andrade no comando.
A essa altura, o clube parte para a contratação de um zagueiro para a difícil missão de substituir Fábio Luciano. Os novatos Wellinton e Fabrício mostram-se ainda muito verdes, e mesmo o veterano Ronaldo Angelim vê seu rendimento cair assustadoramente. A tentativa feita com David, emprestado pelo futebol grego, resulta em melhora, mas a situação ainda não está resolvida.
Nos jogos seguintes, o Flamengo volta a sofrer com desfalques, e atravessa um momento difícil no campeonato. O time empata com o frágil Náutico (1-1) no Maracanã, perde (2-3) para o Goiás num jogo dramático no Serra Dourada, vence (mas não convence) o Corinthians no Maracanã (1-0) e é goleado pelo Grêmio (1-4) no Olímpico. De positivo, o aproveitamento de Petkovic, que começa a mostrar boas atuações e é efetivado como titular. Mas a miríade de contusões e suspensões faz com que Andrade tenha que lançar mão de vários garotos (Rafael Galhardo, Jorbison, Lenon, Camacho, Erick Flores, Rômulo), que sentem a pressão e não rendem. Para piorar, Emerson é enfim negociado, sendo substituído por Denis Marques, recentemente contratado, que ainda não está no melhor de sua forma.
Ao final do primeiro turno, o Flamengo está em 10º lugar, o que reflete a irregularidade de sua campanha.
A situação se agrava nas partidas seguintes, onde a equipe é derrotada com facilidade por Cruzeiro (1-2, de virada) no Maracanã e Avaí (0-3), e despenca para o 14º lugar. A situação de Andrade começa a se tornar delicada. O temor do rebaixamento, em função das medíocres atuações, vem à tona. A seqüência de jogos seguintes é considerada crucial para a retomada do time na competição.
E finalmente Andrade pode contar com reforços. Alguns titulares retornam, e duas contratações finalmente poderão estrear, o experiente zagueiro Álvaro (apontado como a tentativa definitiva para resolver o problema da zaga) e o habilidoso volante Maldonado (com passagens vitoriosas por vários clubes brasileiros). Concentrado, o time rapidamente responde, e passa por cima do Santo André (3-0) no Maracanã, em grande atuação de Petkovic e de Zé Roberto, que vinha esquecido no elenco, quase havia sido negociado e que recebia de Andrade mais uma oportunidade.
No jogo seguinte, a equipe segura um importante empate (0-0) em Curitiba, diante do Atlético-PR, dando sinais de recuperação. Álvaro e Maldonado já proporcionam visível melhora à equipe. E nos jogos seguintes, já completo e com Adriano de volta da Seleção, o Flamengo vence sem dificuldades Sport e Coritiba, ambos por 3-0 no Maracanã, em jogos onde se sobressaem as espetaculares atuações de Petkovic e Adriano, que literalmente desequilibram. O risco de rebaixamento é afastado, e agora o Flamengo já volta seu foco para a briga pela Libertadores.
A evolução da equipe é atestada nas difíceis partidas seguintes, em que o time mostra força. No Beira-Rio, resiste ao campo enlameado e ao futebol de força dos gaúchos e arranca um 0-0 importante. Depois, derrota o Fluminense (2-0) em badalado clássico, onde brilha a estrela de Adriano, autor de dois gols. Por fim, vai a Salvador, onde chega a sair na frente do Vitória, mas cede a virada e vai buscar o empate (3-3) nos minutos finais, com um gol salvador de Zé Roberto. A boa notícia é o retorno de Juan, após longa inatividade.
A essa altura, Andrade já possui o time na cabeça. Abandona o esquema de três zagueiros e faz com que Leonardo Moura e Juan voltem a atuar como laterais. A armação fica a cargo de Petkovic, que surpreende a todos com atuações de altíssimo nível. Na zaga, Álvaro e Angelim voltam a fazer do setor um dos pontos fortes do Flamengo. Aírton, Maldonado e Willians (mais adiantado) são os cães de guarda da marcação. E na frente, o irrequieto Zé Roberto (finalmente recuperado e em forma) e o Imperador Adriano, que se mostra cada vez mais decisivo com seus gols. Mas para o grande duelo seguinte, o Imperador está fora, diante do São Paulo no Maracanã.
O estádio recebe cerca de 60 mil pessoas, que vêem o Flamengo assumir desde o início a iniciativa da partida, perder várias chances, ser castigado com um gol e buscar forças para a virada, já na segunda etapa, com Petkovic (cobrando magistralmente um pênalti) e Zé Roberto, após passe primoroso do sérvio, aclamado como o melhor em campo. Com os 2-1, o Flamengo já começa a ser visto com outros olhos pela imprensa. A Libertadores se aproxima velozmente.
Mostrando já estar pronto e com Adriano de volta, o time vai ao Parque Antarctica e não toma conhecimento do líder Palmeiras, vencendo por 2-0, gols de Petkovic (um deles, olímpico), que novamente assombra a crônica. A distância para os paulistas cai a seis pontos. Vozes mais eufóricas já começam a pensar em título, o que é rechaçado na Gávea, ao menos por enquanto.
Mas a derrota do Palmeiras para o Santo André torna impossível deixar de pensar na liderança, que estará a meros três pontos caso o time derrote o Botafogo no Engenhão. Talvez sentindo o peso da responsabilidade, o Flamengo, após bom início em que abriu o placar com Adriano, recua demais e por muito pouco não cedeu o empate ao alvinegro, que chegou a desperdiçar um pênalti. Mas, com o 1-0, o time estava a apenas três pontos do líder.
O jogo seguinte vem como uma ducha de água fria. A derrota (0-2) para o modesto Barueri quase põe fim ao sonho. Mas os rivais tropeçam, e a distância não aumenta muito. Com a duríssima vitória (1-0) sobre o Santos, num Maracanã lotado, em jogo onde Bruno precisou defender dois pênaltis mal marcados, o Flamengo volta à briga pela Libertadores. Mas para se manter pensando em título, precisa ganhar seus dois jogos seguintes, duros duelos contra Atlético-MG e Náutico, ambos fora de casa.
Na partida do Mineirão, o adversário invoca as derrotas dos anos 80 e fala em vingança. Mais concentrado, o Flamengo suporta a pressão inicial, abre o placar com Petkovic (em outro gol olímpico), amplia com Maldonado (em bela jogada individual) e controla a partida. Nem o gol atleticano, no início da segunda etapa, tira a tranqüilidade do rubro-negro, que ainda marca mais um (Adriano) e fecha a conta em 3-1. Pela primeira vez, o Flamengo está na zona da Libertadores.
A seguir, o desesperado Náutico, em Recife. Atuando com notável consciência, o time abre 2-0 (Petkovic e Adriano) na primeira etapa e administra o placar até o final. Novamente beneficiado por tropeços dos adversários, agora está em segundo, a míseros dois pontos do líder.
Mas terá que assimilar a ausência de Maldonado, que se contunde seriamente no joelho em amistoso da seleção chilena. Para compensar, Kleberson e Everton estão liberados para os jogos finais. Andrade efetiva Toró no lugar do chileno e se prepara para os três jogos finais. Já é difícil conter a empolgação no Rio de Janeiro.
O líder, agora o São Paulo, vai ao Engenhão enfrentar o Botafogo, que briga contra o rebaixamento. A vitória alvinegra por 3-2 enlouquece a torcida, que já dá como favas contadas a vitória do Flamengo contra o (aparentemente) desinteressado Goiás, no Maracanã, resultado que, se confirmado, porá o rubro-negro na liderança. Mas um Maracanã lotado e empolgado (com direito a um espetacular mosaico gigante) vê um Flamengo sucumbir à ansiedade e ao bom futebol do time goiano, e não sair de um frustrante 0-0. O São Paulo segue na liderança, agora a um ponto do rubro-negro.
Agora, o Flamengo vai a Campinas enfrentar o Corinthians (o jogo sai de SP a pedido da PM paulista). Além do desânimo, o time precisa enfrentar o desfalque de Adriano, que se contunde sozinho em seu horário de folga. Mas o time novamente mostra frieza e concentração, e se impõe desde o primeiro minuto. Abre o placar com Zé Roberto e administra a vitória até o final, quando em uma blitz na área corintiana consegue um pênalti, convertido por Leonardo Moura. Os 2-0 levam a torcida ao delírio, especialmente com a confirmação da derrota do São Paulo para o Goiás (4-2), o que leva o Flamengo à liderança pela primeira vez, a apenas uma rodada do fim. Para conquistar o título, o rubro-negro depende apenas de si.
O RJ se mobiliza totalmente para o jogão contra o Grêmio. A semana que antecede a partida é repleta de polêmicas e insinuações de que os gaúchos entregarão a partida para prejudicar o rival Internacional, que briga diretamente com o Flamengo pelo título (com a derrota são-paulina, o Colorado assumiu a segunda posição). As suspeitas aumentam quando o Grêmio confirma que irá a campo com reservas e juniores.
Mas a confusão apenas serve para motivar e irritar os gremistas. O Flamengo, ao contrário, mesmo tentando blindar seus jogadores durante a semana (treinou em Teresópolis), não consegue evitar a ansiedade e o nervosismo, começa mal a partida e chega a ser envolvido pela garotada gremista. O pior vem logo depois, quando o Grêmio abre o marcador, fazendo emergir traumas recentes. Mas, quando tudo parecia perdido, o Flamengo consegue empatar em uma cobrança de escanteio, cuja sobra é aproveitada pelo zagueiro reserva David (que substituía Álvaro, suspenso). No segundo tempo, o time parte pra cima, pois só a vitória interessa (Inter e SPFC vão vencendo seus jogos).
Após intensa pressão, consegue a virada com Ronaldo Angelim, que escora de cabeça cruzamento de Petkovic, em novo escanteio. Nos minutos seguintes, o time apenas toca a bola e conserva o resultado.
Enfim, campeão brasileiro, 17 anos depois
Herói: Ronaldo Angelim, autor do gol que deu a uma Nação o título brasileiro, 17 anos depois.
Destaque: Petkovic. Contra todos os prognósticos, o sérvio driblou a descrença, o desprezo e a chacota e literalmente conduziu a equipe ao título, com atuações antológicas, assistências e gols espetaculares. Se 1992 pertenceu ao Maestro Júnior, o Brasileiro de 2009 foi o campeonato de Dejan Petkovic.
Revelação: o garoto Everton chegou ao clube em 2008. Desde então, nunca conseguiu se firmar, seja como meia (sua posição original), seja como atacante. Andrade, após o desfalque de Juan, resolveu efetivá-lo na lateral-esquerda, e Everton surpreendeu com seu voluntarismo e raça. Mesmo sem ser brilhante tecnicamente, Everton dava à equipe uma movimentação alucinante. Sua ausência na reta final foi bastante sentida pelo time. Como prêmio, conseguiu retornar a tempo de participar do jogo final.
Artilheiro: o Imperador Adriano, apesar de sua irregularidade, foi fundamental para a conquista, marcando ao longo da competição vários gols importantes e decisivos. Fechou a competição como artilheiro do Flamengo e um dos goleadores do campeonato, com 19 gols.
O gol: Ronaldo Angelim, na final contra o Grêmio.
Melhor atuação: o nó tático na vitória contra o Palmeiras (2-0), que deu à equipe a certeza de que o hexa não era apenas um sonho.
Fonte: Site Oficial do Flamengo
* Adriano Melo, ou simplesmente Melo, catarinense, nascido em 1972, residindo em Salvador desde 1977, é engenheiro químico de formação, trabalho como analista tributário. É colaborador do site oficial do Flamengo e mantém um blog, também no site oficial, em que resgata a história de grandes nomes da história do clube.
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